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Juiz se solidariza com professor através de artigo

Publicado sexta, 17 de março de 2023





O juiz da Vara da Infância e Juventude de Guaxupé, Milton Furquim, enviou à redação do Correio Sudoeste um artigo publicado tempos atrás mas que é muito atual sobre a desvalorização dos professores na sociedade e por governos.

Em solidariedade à agressão verbal que um professor recebeu de uma aluna, ele republica o artigo.

 

Comemoração ao dia dos Professores. Quanta hipocrisia uai!

 

Quanta hipocrisia que se repete anos após anos. Prá começar quero deixar claro que fui professor de escola pública por 10 anos (matemática e física) e outros 10 anos, diretor de escola pública. Apesar de algum sucesso educacional em uma escola pública de um dos menores municípios do Estado das Gerais – prêmios, mídia, etc., só colecionei decepções. Por não mais acreditar na sinceridade com que os governos administram a educação optei por cursar o Direito e prestar concurso para a magistratura. Logrei ser bem-sucedido.

 

Quando, a que horas você vai prá rua, na mídia, em qualquer lugar, lutar como forma de homenagear os professores? Sem guloseimas, é claro.

 

Pelos educadores que tivemos, temos e teremos, lute por investimentos, respeito e liberdade prá eles o ano inteiro. O ano inteiro! Não venha com homenagem hipócrita como sói acontecer todos os anos, como se isso fizesse o ‘mestre’ de fato feliz e recompensado. Ledo engano. Nossos professores são frustrados, decepcionados, tristes, sem perspectivas.

Muitos deles escolheram a profissão (não missão) por falta de melhores condições de cursar uma faculdade e um curso de seu sonho; outros por não ter opções melhores; alguns muitos para não ‘ficar’ sem um curso superior, etc. Poucos optaram pelo magistério por opção de vida, por serem missionários. Estes poucos, sim, os verdadeiros professores que não estão preocupados com vencimentos (mas deviam ganhar muito bem), com política pedagógica, educacional; tem na veia o sangue missionário de fazer o bem e ensinar para a vida.

 

Dia 15 de outubro. Mais uma vez será lembrado, falado, aclamado, o Dia do Professor. Nada mais justo, nada mais necessário do que valorizar e reconhecer aquele que, segundo muitos discursos (hipócritas), é “o pilar da nação”.

 

Pois justamente por isso entendo que está mais do que na hora de sair do discurso, da hipocrisia, para uma valorização e um reconhecimento de fato e de direito dos professores e, principalmente, das professoras, maioria absoluta nessa categoria sofrida, amada e que merece muito, mas muito mais do que tem recebido nas últimas décadas.

 

O dia 15 de outubro é o dia dos professores. Desculpem, mas um dia triste, sem perspectivas reais para quem escolheu uma das profissões mais ingratas do Brasil: como ensinar alguma coisa num país onde as pessoas não querem aprender? E, ainda, muitos não querem ensinar a não ser fazer de conta?

 

Como ensinar alguma coisa neste País de meu Deus, onde a ideologia parece-me como sendo a prioridade sobre questões pedagógicas, como se o aluno ‘estufado’ de ideias ideológicas fosse o suficiente para vencer na vida em qualquer aspecto, como se a ideologia matasse sua fome e sua carência.

 

O Brasil teve a pior avaliação entre as nações analisadas, alcançando a 64ª posição. Entre outros fatores, o resultado nesse quesito se explica pelo mau desempenho do país no que diz respeito aos gastos público totais em educação. Segundo a pesquisa, quando avaliado em termos per capita, o mundo investe em média US$ 6.873 (cerca de R$ 34,5 mil) por estudante anualmente, enquanto o Brasil aplica apenas US$ 2.110 (R$ 10,6 aproximadamente).

Apesar desse resultado, o Brasil não investe pouco em educação, ao menos não no que diz respeito ao Produto Interno Bruto (PIB).

 

Um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que o país investiu uma média de 5,6% do seu PIB na área de educação, uma porcentagem acima da média de 4,4% das nações da OCDE. No que diz respeito ao investimento em educação no Brasil, um dos problemas está na qualidade e na execução dos gastos. O país teve um baixo desempenho no Pisa, a principal avaliação internacional de desempenho escolar, ocupando a 54ª posição, e no TOEFL, ocupando o 43º lugar no ranking. Além disso, o analfabetismo atinge 6,8% da população acima de 15 anos, sendo a média mundial de apenas 2,6%.

 

O baixo desempenho do Brasil na educação implica ainda em uma baixa qualificação dos profissionais no mercado de trabalho. No estudo do IMD World Competitiveness Center, o país é o 63º colocado em relação à relevância da educação primária e secundária para as exigências do sistema produtivo.

Penúltimo lugar numa pesquisa feita em Londres sobre a valorização dos docentes, o Brasil amarga a triste rotina de conviver a cada dia que passa com um déficit cada vez maior de profissionais nesta área em que todos são hipocritamente unânimes em afirmar: “é a profissão mais importante na vida de qualquer ser humano”. Talvez a carreira profissional mais desvalorizada da atualidade, ser professor no nosso país é um desafio que persegue a rotina dos “poucos heróis” que tiveram a coragem suficiente de enfrentar a família para se aventurarem numa vida sem futuro e pouco rentável.

Mas o status de professor caiu muito, começando pelo salário pago. Recente pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) comprovou o que muitos já sabiam. O salário mínimo anual dos professores brasileiros do ensino fundamental é menos da metade do que a média dos países da OCDE e menor do que muitos países latino-americanos.

 

O Brasil tem mais de 2 milhões de professores. São, sim, o pilar da nação. Acredito piamente. Depende deles a formação dos brasileiros que fazem e continuarão fazendo o país, nas mais diversas profissões. Se não fazem mais e melhor é porque o sistema não permite e não lhe interessa, estavam a ponto de preferir ensinar ideologia nas escolas do que matérias pedagógicas.

 

Mas quem perde com isso não são somente os docentes, é a própria sociedade e o país inteiro. O Brasil tem um dos piores sistemas de educação em todo o mundo. Nunca valorizamos o saber e só somos a sétima economia graças à produção de commodities e não de conhecimentos. Esse negócio de que o professor é o único profissional que forma todos os outros profissionais é pura balela, papo furado, hipocrisia da sociedade. Se assim fosse, seríamos (nós professores, me lembrei de quando fui) bem mais valorizados e teríamos um salário de médico, de jogador de futebol ou de político. Porém a culpa não é só do Governo ou do Poder Público. A sociedade até incentiva esta desvalorização: ninguém cobra nem exige nada em beneficio da educação nem dos educadores. Nas greves, apanhamos da polícia e às vezes, na sala de aula, dos alunos. Somos a escória nacional, infelizmente.

 

Se sofríveis de conhecimentos e preparo dos professores é porque ao Estado não interessa dar as melhores condições para que tenhamos mestres/missionários.

 

Todos os estudos sérios, de organizações sérias, afirmam que está nos professores, em sua formação e valorização, a chave para a qualificação do sistema de ensino e aprendizagem. Que tal, então, sairmos da hipocrisia e irmos para a prática do real reconhecimento, traduzido em salários de fato dignos, em condições de fato adequadas de trabalho, em formação apropriada à necessária mudança da escola pública, diante dos desafios do mundo contemporâneo?

Suportar calado esta triste, alguns chegam a dizer ‘horrorosa data’ é uma decepção sem fim, alguns dizem ‘desgraça’, uma espécie de ‘Armagedon’ para qualquer professor. Quando não é obrigado a trabalhar em seu próprio dia, os docentes muitas vezes têm que aturar ‘festinhas estúpidas’ de seus alunos que, cheios de boas intenções, presenteiam seus homenageados com ‘balinhas, doces, refrigerantes e outras guloseimas açucaradas’, parece até que de propósito, já que fingem não perceber que a maioria de seus mestres está com as taxas de diabetes, colesterol e triglicerídeos lá pelas alturas. Mas o raciocínio é simples e até macabro: se não matar os condenados, faz muitos deles adoecerem e por isso, “ganham de presente” vários dias sem aulas. Há muito tempo que professor não ganha presentes de seus alunos a não ser murro na cara, deboche, desdém, ameaça dos pais, diretores e toda a sorte de violência e intimidações. Que sina, meu Deus.

 

Neste triste dia, políticos e autoridades vão à mídia para se confraternizar com os educadores. Só hipocrisia e enganação. Na telinha, tecem loas e mentiras falando sobre a “importância do educador”, mas nunca acreditou nelas e muito menos sabem o que estão falando, pois estão repetindo o que um assessor redigiu, e outras lorotas apenas para enganar os eleitores desavisados, pois muitas vezes não querem que seus próprios filhos sigam a “honrosa profissão”.

 

De fato, no Brasil menos de dois por cento dos alunos querem ser professor enquanto que na Coréia do Sul, China, Finlândia ou Japão esse número ultrapassa os 90%. Aqui, quando um aluno diz que quer seguir esta carreira é logo taxado de louco, idiota ou imbecil. Sem salários dignos, sem motivação, sem esperanças, humilhados, estressados e já depressivos, muitos educadores são perseguidos até pelos próprios sindicatos da categoria. Uma sociedade que não valoriza a educação e nem o professor deveria ser sincera e ter pelo menos vergonha de comemorar esse dia dedicado a ele.

 

Recuando no tempo, quando aluno lá na escolinha do interior, tendo por professores o ‘seu’ Januário, dona Coca, dona Inês, dona Neiva, eu me lembro perfeitamente do carinho, do respeito, que esses professores tinham dos alunos e por merecer. Era outra época, época de respeito, de devoção, do império da família e da devoção aos mestres.

 

Naquela época as ‘escolinhas’ tinham um ponto em comum. Era a garra de professores – melhor dizendo, geralmente professoras – na mais modesta das escolas ou naquelas melhor aparelhadas, com melhores recursos materiais. Não importa, a entrega que essas pessoas demonstravam, a vocação que elas cultivavam para contribuir no desenvolvimento de meninos e meninas é algo, deveras emocionante, e muitas vezes surpreendente, dadas as condições em que muitas trabalhavam.

 

Que tal sairmos do comodismo, da zona do conforto das homenagens e rapapés, que tal sairmos da hipocrisia para o reconhecimento de fato das professoras e professoras que não abrem mão de sua missão de ajudar crianças e jovens a aprender a Voar? Votar? Valorizar-se?

Precisamos aprender a homenagear os professores sem hipocrisia, sem falsidade, sem enganação.

Como sempre as atitudes ficam no tempo e a vida segue para a maioria. Maioria que só olham para o seu umbigo.

 

Uma coisa vem me incomodando há um tempo. Depois de tomar a decisão de que nunca mais me referiria aos meus tempos de professor, e bom professor, e mostrar uma indignação com o tratamento dado à educação e aos professores do nosso país, percebi que nada mudou.

Sinceramente fiquei pensando em quanto vale a pena. Quanto os nomes dos nossos professores - missionários conseguem mudar alguma coisa. E mudaram, com certeza. Hoje não creio, me desculpem, mas faltam professores/missionários.

 

Ao invés de ter um debate, de ser escutado... Nada. A voz só aparece quando nos vamos. Quando não estamos mais aqui. É o caso do saudoso e grande Professor Januário. Mas uma pergunta não me saiu da cabeça: ele foi devidamente valorizado quando vivo? Por óbvio que não.

 

E para terminar nada mais oportuno do que retratar o que vi e senti ao assistir este vídeo incrível do Steven Tyler cantando Beatles ao Paul fiquei viajando. Quando vamos aprender a valorizar nossos grandes ídolos? Mas ídolo de carne, sangue, coração, mente e desprovido de qualquer resquício de sentimento retrógrado.

 

Ídolos não são perfeitos, ídolos cometem abusos, ídolos falam besteiras, mas ídolos por um bom tempo emocionaram, levaram o nome do país com muito amor e de alguma maneira ajudaram, incentivaram. Mas, infelizmente, esses ególatras administradores, políticos oportunistas tentam esquecer, calar ou simplesmente desmerecer.

 

Não venho aqui levantar bandeira para que façam museus, nomes de ruas ou achem que esses ídolos de alma são diferentes, mas de nada adianta chorar ao lado de uma lápide quando eles se foram, fazer de conta que se preocupam.

Chega de hipocrisia.

 

Guaxupé, 15/10/21.

Milton Biagioni Furquim

ex-Professor


COLUNISTA
Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Guaxupé


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