Publicado quarta, 03 de dezembro de 2025

Por Nicola Archangello
Maria é a única Mulher que recebeu diretamente de Deus a tão conhecida saudação “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo” (Lucas 1, 28).
Não há registro na História que outro ser humano tenha recebido o mesmo.
Maria, portanto, cooperou na obra da Salvação.
Mas ela não é Salvadora.
Ela é a Mãe do Salvador.
Onde está a novidade aqui?
Na verdade, não há novidade alguma.
Este sempre foi o ensinamento da Igreja de Jesus, seja na literalidade dos textos sagrados, seja nos desdobramentos da fé, seja na correta interpretação das Sagradas Escrituras, confiada ao Magistério da Igreja.
O que o Papa Leão XIV fez, no documento Mater Populi fidelis – Nota doutrinal sobre alguns títulos marianos referidos à cooperação de Maria na obra da Salvação,foi um esclarecimento necessário e contundente para evitar o avanço descontrolado e, não raro equivocado, ilusório e até alucinado, de boa parte do povo fiel devoto a Maria, não somente leigos, mas também alguns sacerdotes com interesses escusos, ocultos, que acaba, na prática, transformando Maria numa espécie de deusa, e confundindo adoração com veneração.
Não tenha preguiça de ler.
Leia o texto aqui e, fundamentalmente, leia o documento Mater Populi fidelis na íntegra. Leia calmamente, com atenção, com o coração compassivo e a mente alerta.
Deixo apenas um trechinho da Apresentação deste documento:
“A devoção mariana, que a maternidade de Maria suscita, é apresentada aqui como um tesouro da Igreja. Não se trata de corrigir a piedade do Povo fiel de Deus que encontra em Maria refúgio, fortaleza, ternura e esperança, mas, sobretudo, de a valorizar, admirar e encorajar.”
Continuemos a nossa reflexão:
Adoração somente a Deus. Somente Deus pode ser adorado.
Maria não pode ser adorada. Ela não é deusa.
Os santos e a santas da Igreja de Jesus só podem ser venerados, admirados com carinho e devoção. Jamais adorados.
Maria é a Mulher, ela é a Mãe do Senhor (Lucas 1, 43).
Senhor, na Bíblia, significa Deus.
Jesus é o Senhor.
Sendo Maria Mãe de Jesus, e sendo Jesus Deus, então Maria é Mãe de Deus.
Jesus é Deus.
Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Deus é Trino e Único.
Jesus é o Filho de Deus no sentido da sua Missão, no Mistério da Encarnação.
“No Princípio era a Palavra, e Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus” (João 1, 1). Perceba que Jesus é a Palavra de Deus.
Maria deu a luz o Verbo Encarnado, deu a luz à Palavra de Deus, Jesus, “luz dos homens” (João 1, 4).
Está claro?
Prossigamos...
O Papa tem autoridade para escrever tal documento que gerou tanta polêmica? Sim. Ele tem autoridade e tem o dever de esclarecer, corrigir, orientar, ensinar. Lembremo-nos que o Papa é o sucessor legítimo do Apóstolo Pedro.
São Pedro foi o único homem que recebeu diretamente de Deus a autoridade das chaves do Reino dos Céus, uma autoridade vinculada essencialmente ao serviço, à tarefa intrínseca de apascentar os cordeiros, pastorear as ovelhas, cuidar do povo, zelar pela Igreja de Cristo.
É fácil entender: O cristão adora a Deus, ama Maria, venera os santos, e tem como único e suficiente Senhor e mediador, Jesus Cristo Salvador.
A fé cristã é uma fé cristocêntrica (Jesus Cristo é o centro da fé), e também mariana (Maria é colaboradora de Jesus).
Deus nos enviou Jesus passando por Maria. É através de Maria que vamos até Jesus. Essa é a lógica de Deus. Não podemos ser mais inteligentes do que Deus.
Agora note a diferença: Fé mariana, sim. Devoção a Maria, sim. Mariolatria, não! Não podemos adorar Maria.
Maria não aponta para si mesma. Ela aponta para Jesus. O mesmo fazem todos os demais santos e santas da Igreja de Jesus – todos apontam para Jesus.
O que o Papa Leão XIV fez não foi matar a fé, mas purificar a fé, aperfeiçoar a fé. Deixar a fé racional. Isso mesmo, precisamos raciocinar, refletir, a fim de não transformarmos a fé em algo equivocado, exagerado, supersticioso e até perigoso.
As orações continuam, o Santo Terço e o Santo Rosário prosseguem, as imagens de veneração (e não de adoração) continuam sendo ícones (e não ídolos) de decoração, evangelização, reflexão, oração e meditação. A belíssima Oração da Ave-Maria segue sendo rezada com fé e esperança pela Igreja. Tudo normal. Tudo coerente.
Já na Constituição Dogmática Lumen Gentium, publicada no ano de 1964, pelo então Papa Paulo VI, verificamos a expliação a respeito da cooperação de Maria, junto de seu Filho Jesus:
“Padecendo com ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É por esta razão nossa Mãe na ordem da graça.”(nº 61).
Note bem: Cooperação.
O mesmo documento conclui assim:
Medianeira para a unidade da Igreja
E é uma grande alegria e consolação para este sagrado Concílio o fato de não faltar entre os irmãos separados quem preste à Mãe do Senhor e Salvador o devido culto; sobretudo entre os Orientais, que acorrem com fervor e devoção a render culto à sempre Virgem Mãe de Deus. Dirijam todos os fiéis instantes súplicas à Mãe de Deus e mãe dos homens, para que Ela, que assistiu com suas orações aos começos da Igreja, também agora, exaltada sobre todos os anjos e bem-aventurados, interceda, junto de seu Filho, na comunhão de todos os santos, até que todos os povos, tanto os que ostentam o nome cristão, como os que ainda ignoram o Salvador, se reunam felizmente, em paz e harmonia, no único Povo de Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade. (nº 69)
Agora observe a primeira frase dessa Constituição Dogmática (nº 1): “A luz dos povos é Cristo.”
Quem é a Luz? Cristo.
Os católicos esclarecidos entendem perfeitamente o uso da expressão “medianeira”. Maria esteve junto, ao lado, no meio, apontando para Jesus. Ela tem o Redentor, mas ela não é a Redentora. Ela tem o Savador, mas ela não é a Salvadora.
Note que ter e ser são conceitos perfeitamente compreedidos, quando corretamente contextulizados. São desdobramentos reflexivos sem o menor conflito de raciocínio.
Medianeira porque esteve no meio, entre as pessoas e seu Filho, mostrando Jesus. Não medianeira no sentido de substituta de Jesus. Ninguém substitui Jesus.
Por outro lado, a expressão Corredentora pode gerar interpretações erradas. Desse modo, é uma expressão equivocada, como já esclareceram Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) e também o Papa Francisco. Francisco deixou bem claro ao afirmar que Maria “jamais quis reter para si algo do seu Filho. Nunca se apresentou como corredentora. Não, discípula!”.
Você compreendeu? Maria não é Corredentora. Ela é discípula.
E no lugar de Medianeira, a fim de que todos possam compreender corretamente, é melhor usar a expressão Cooperadora ou Colaboradora. Isso não signica rebaixar nem menosprezar Maria. Isso significa ter respeito por ela, por quem ela de fato é e quis fazer ao lado de seu Filho Jesus. Ponto.
E Maria pode interceder por nós? Sim. Ela é Intercessora? Sim.
O Papa Leão XIV nos dá uma breve e suficiente explição, numa frase apenas: “Maria está unida a Cristo de modo único, por causa da sua maternidade e por ser cheia de graça”. (nº 38)
Qual é a diferença entre Maria e Jesus?
Maria é limitada, é um ser humano. Maria está subordinada ao Senhor.
Jesus é Deus humanizado e homem divinizado. Jesus é plenamente homem, plenamente Deus. Verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Cristo é o Eterno encarnado no homem Jesus, há mais de dois mil anos. Daí Cristo Jesus. Difícil entender isso?
Por isso, Santa Clara de Assis, no séxulo XIII, já dizia: “Que o Cristo esteja sempre à nossa frente.”
Mas surgem os devotos marianos exagerados, colocam Jesus no “banco de reservas” (pra usar aqui uma linguagem típica do futebol), e inventam a frase: “Maria passa na frente.” Isto está errado. Maria jamais quis passar na frente de seu Filho. Mesmo que seja uma devoção popular sincera e piedosa, está errada e precisa ser corrigida.
Pronto. Impossível ser mais claro e coerente que isso.
Somente ficam perplexos, raivosos, assustados e rancorosos os católicos desavisados. De outro lado, ficam felizes alguns protestantes, pensando eles que o Papa deixou de ser católico. Absurdo, absurdo, absurdo de ambos os lados. Como dizem alguns, melhor rir pra não chorar.
Respeitamos profundamente o Papa, de modo especial quando legitimamente eleito, ungido, e não como ocorria noutras épocas sombrias manchadas por conluios, barganhas e conchavos.
Para não irmos tão longe, citarei aqui apenas os sucessores de Pedro mais próximos da nossa memória e história recente: João Paulo II, um grande filósofo, Bento XVI, exímio teólogo, Francisco, destemido pastor e, agora, Leão XIV, sensível e coerente.
Amamos Maria! Veneramos Maria, porque de seu ventre nasceu Jesus!
Maria tem o Salvador (Lucas 1, 38), mas ela não é a Salvadora (Lucas 1, 47).
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lucas 1, 42).
Vamos apenas chamar Maria confome ela própria disse o jeito que deveríamos nos dirigir a ela: Bem-aventurada!
“Todas as gerações, desde agora, me chamarão bem-aventurada.” (Lucas 1, 48).
Repetindo uma vez mais:
Maria não é Corredentora. Ela é discípula.
Maria é a primeira discípula de Jesus.
E no lugar de Medianeira, mais coerente é usar a expressão Cooperadora ou Colaboradora. O que nós todos podemos ser também: cooperadores ou colaboradores do Senhor.
Maria também é Intercessora, pois ela está unida ao seu Filho Jesus de maneira singular, transcendente, eternamente.
Maria é a nossa Mãe na ordem da Graça. Maria é a Mãe do povo fiel. Toda fé cristã é uma fé mariana, onde Jesus é o Redentor.
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NOTA ESCLARECEDORA
Primeiramente, tem muita gente criticando o Papa sem ter lido a nota doutrinal escrita por ele, o que já demonstra profunda incoerência e grosseiro desrespeito. Criticar sem ler não é científico.
Em segundo lugar, é salutar acrescentar algo: Infelizmente, porém nem um pouco surpreendente, surgem os ensandecidos, iludidos e alucinados adeptos das chamadas “teorias da conspiração”, passando a considerar o atual Papa Leão XIV como sendo um falso profeta, o Anticristo. Para quem conhece bem História, e de modo especial História da Igreja, ou História do Cristianismo, não se espanta nem se admira com o surgimento reincidente dos incautos mentalmente perturbados que, sempre errando, e jamais querendo aprender a verdade dos fatos, citam o livro de Apocalipse, interpretando-o de modo descontextualizado, distorcido e equivocado, passando a afirmar ser então o Papa do momento a Besta do Apocalipse.
Besta é quem pensa assim. Besta é quem acredita que um texto tão codificado não necessita de longo estudo elaborado por uma grande equipe, e uma complexa compreensão minuciosa. Besta é quem não ouve o Magistério da Igreja. O sujeito descuidado e talvez até mal-intencionado que é a besta do momento. Besta aqui no sentido popular, coloquial, de gente boba que fica falando bobagens, fabricando intrigas, divisões, e criando confusão na mente e no coração da população.
O mais assustador não é a existência dessas “teorias da conspiração”. O mais assustador é ver pessoas acreditando nesses absurdos, dando crétido à essas tolices, mesmo quando essas pessoas são esclarecidas, mesmo quando recebem as devidas orientações de que estão sendo enganadas, que estão acreditando num erro grave e, mesmo assim, mesmo após claras e até exaustivas explicações, muitas dessas pessoas continuam acreditando nas mirabolantes “teorias da conspiração”.
Nota-se que a desonestidade é dupla. Quer dizer: De um lado tem o indivíduo ou um grupo de indivíduos espertalhões fabricando mentiras e, de outro lado, tem uma multidão se esforçando para acreditar.
No fundo, são pessoas com medo da Verdade. Por isso, vivem inventando falsidades.
No final, prevalecerá o bom senso.
O Papa está querendo o que Jesus Cristo sempre quis: Proximidade, diálogo, compreensão, partilha, comunhão, por meios de palavras e gestos de compaixão, promovendo a paz.